286. 1964 – «Caminhando e cantando»
Na madrugada de 31 de março para 1.º de abril de 1964, o Brasil teve a sua democracia eclipsada pelo putsch dos Militares: a chamada, até alguns anos atrás (e por alguns ainda) de Revolução de 1964. A intenção dos Militares – pelo menos da ala mais moderada, da qual fez parte Castello Branco – era somente afastar João Goulart – presidente eleito por voto direto como vice-presidente (1) e empossado em substituição a Jânio Quadros, que renunciara – e logo entregar novamente o Governo aos Civis, tendo em consideração que para 1965 estavam marcadas as eleições presidenciais.
A linha-dura do Exército protelou as eleições, fez uma nova Constituição em 1967 – em substituição à de 1946 – dando base jurídica e de direito para o Regime Militar, dando ao país um aspecto de democracia indireta, pois continuamos a eleger os membros do Legislativo; mas a escolha do Presidente, eleito pelo chamado Colégio Eleitoral, composto pelos membros do Legislativo, era, como bem se sabe, um jogo de cartas marcadas. É justamente isso que caracteriza o período mais como um regime autoritário do que uma ditadura, pois houve rotatividade no poder, não foi o governo de um homem só, foram cinco presidentes militares, entre 1964 e 1985 que se sucederam no poder: Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
Não houve, logo após o começo do movimento, contra-golpe como se temia. O Presidente Goulart, auxiliado pelo cunhado e Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, voou para o Uruguai. Um contra-golpe naquela ocasião poderia ter desencadeado um começo de guerra civil, levando em conta que houve divisões do Exército que hesitaram em aderir ao golpe ou manterem-se fiéis ao Governo Eleito. Goulart disse aos oficiais que o consultaram, para que não resistissem, pois seria um derramamento inútil de sangue. Além do mais, havia tropas estadunidenses “em prontidão”, boiando no Atlântico, próximo ao Nordeste; os EUA, se não fomentaram diretamente o golpe, ajudaram um pouquinho e ficaram bem contentes com o resultado e com desenrolar dos acontecimentos.
Houve movimento de tropas pelos golpistas de modo preventivo somente; uma divisão de blindados circulou pelo centro de São Paulo na manhã do 1.º de abril.
Os 20 anos de Regime Militar foram péssimos para o país em inúmeros aspectos: forçou as pessoas à alienação, criou uma cultura do medo que até hoje perdura, manteve uma política econômica que fez com que o país crescesse, mas nos legou uma dívida externa que até hoje tentamos pagar, matou e perseguiu opositores, em suma, tudo o que faz uma ditadura.
Hoje, 31 de março de 2006, 42 anos depois do golpe, e 20 do seu fim, os escroques e vermes do Regime, que com ele surgiram, como larvas na carniça, continuam aí, apodrecendo a nossa débil democracia. Embora, os que se opunham ao Regime também muito desapontam como o PSDB, o PMDB e, notoriamente o PT. O pior é saber dos chucros espalhados por aí, que ainda têm coragem de esboçar uma pretensa defesa de algo indefensável.
I
Quando estive em Presidente Prudente a trabalho, fiquei num hotel onde encontrei um tipo desses que defendem o Regime Militar, daqueles tipos jactanciosos e empolados que diziam viver melhor naqueles anos 1970. Tive uma pouco agradável tertúlia com o elemento no saguão do hotel e ele terminou por me chamar de agitador comunista. Evidente que, discretamente agradeci a menção e mandei-o plantar batatas, pois posso não ter vivido o período, mas sei que não foram flores, como insistem alguns.
II
Lembra-me do pai duma amiga, que saiu para trabalhar na esplendorosa manhã de 1.º de abril de 1964 e, nas ruas do Centro, estranhou a quase ausência de movimento – num lugar notoriamente movimentado – e quando foi atravessar a avenida São João, notou que havia um tanque parado sobre a faixa de pedestres. Evidente que dali, ele deu meia-volta.
III
E os tempos que no meio de qualquer seção noticiosa do Estado de São Paulo, fosse de política nacional, economia, qualquer; se houvesse algo censurado, a redação simplesmente punha receitas no buraco causado pela ausência da notícia tesourada pelos censores, que costumavam inclusive instalar nas redações dos jornais e das emissoras de rádio, como se fossem um funcionário contratado.