sexta-feira, abril 28
quinta-feira, abril 27
segunda-feira, abril 24
terça-feira, abril 18
296. Curta fábula urbana (III)
De raios e blasfêmias
Levantou-se. Ao invés de pisar nos chinelos, deu um pisão no gato, logo cedo. «Merda!» No banheiro, a maldita da válvula do vaso disparou; teve de correr até o registro e fechá-lo. Abriu a geladeira, para pegar o leite, as maçãs caíram todas aos seus pés; a mãe levantou: «Mas que diabo! Será que você podia fazer menos barulho? Os outros estão dormindo!». Saiu de casa amuado. Perdeu o ônibus; conseguiu pegar o seguinte, mas teve de viajar na porta, com o vento gelado nas costas. No metrô, uma fila imensa para passar as catracas; vagões lotados. Na hora de descer, esbarrou acidentalmente numa moça e por isso ganhou o epíteto de safado, uma bolsada e uns pontapés duns marmanjos, noves-fora. Finalmente chegou no escritório: a carta de demissão estava sobre a mesa. O chefe nem apareceu, não queria nem dar satisfações; antes que saísse do recinto, o telefone tocou: era a noiva. Rompeu o noivado pelo telefone. Saiu pela calçada atordoado e escutou uma música de piano, vinha duma loja de instrumentos. Parou diante da vitrina e ficou a olhar para dentro, uma moça tocava piano; não durou muito tempo: um ciclista trombou consigo e caíram os dois pela vitrina, estourando o vidro. Ele ficou caído do lado dum clarinete e cercado de cacos de vidro, olhando para o ciclista. «Idiota!», rugiu o ciclista montando na bicicleta. Chegou o dono da loja, viu-o caído: «Imbecil, olha o prejuízo que você me deu! E pela sua cara, não deve ter onde cair morto! Olha só essa barba mal-feita, seu desocupado! Desanda, desanda antes que eu chame a polícia!». Havia perdido o emprego não tinha quinze minutos e já estava com cara de desempregado?! Andou umas três quadras e parou diante duma banca de jornal; resolveu comprar o jornal para ver os classificados – quem sabe não arrumava um emprego hoje mesmo. Pagou o exemplar e foi sentar-se num banco de praça para poder ler. Tomou uma carga de pombo no ombro direito. Pôs-se a ler, mas logo um pé-de-vento fortíssimo que começou do nada, rasgou a folha que estava na sua mão e levou as que estavam apoiadas no banco. Saiu correndo atrás das folhas voadoras. Alguém, dalguma anônima janela dum prédio de apartamentos cinzento, berrou para baixo: «Porco, suíno! Na sua casa não tem lixo?!». Correndo, acabou por invadir a avenida; o caminhão de melancias que vinha subindo a ladeira desviou dele por um triz – ou ele que desviou do caminhão? «Animal! É cego, sua besta-quadrada?!» soltou o motorista do caminhão. Acabou por perder as folhas, que se enfiaram por uma rua como pássaros sujos fornicando no ar. Tomou a ladeira no sentido descendente e além do forte vento, que empurrava o seu corpo, logo percebeu que começara a escurecer subitamente; logo ia desabar uma tempestade daquelas que há muito não se via. Esquecera o guarda-chuva em casa, o jornal se lhe voara e observou que a longa rua pela qual andava, a ladeira que agora era um plano, não tinha uma única loja com toldo, ou uma marquise sob a qual ele pudesse esconder-se ou reparar-se. Começaram os raios e os primeiros pingos, grossos como cusparadas: «Deus está cuspindo em mim! Porco!», pensou consigo. Não havia ninguém na rua acossada pela chuva que caía agora a cântaros. De raiva, no meio da rua, da chuva e do vento, começou a dar saltos e chacoalhar os braços como um sandeu. Logo começou a gritar desarticuladamente. De improviso, virou-se para o céu e apontou: «Culpa tua! Infame, infame! Miserável onipotente! Me odiai? Então me fulminai, puta-que…».
Ele não acabou a frase. Segundo as testemunhas indagadas pelo Serviço de Óbitos, ele pulava e berrava horrivelmente pela rua, quando um raio o atingiu.
Moral da história: toda paciência tem limites.
domingo, abril 16
295. Tradução progressiva: «Baixel da Grécia»
Baixel da Grécia
Se nas manhãs, virem passar um baixel
beijando as águas do mar berço dos deuses,
façam-lhe sinal, para que possa ver onde estamos
e navegar conosco para o norte.
Se não leva rede, nem quilha, nem timão,
não pensem nunca que esteja tudo perdido,
que o povo sempre poderá inflar o velame
para ganhar as ondas feitas de medo e de sangue.
Baixel que choras tal-qual chora o meu,
que trazes a pena e a dor que traz o meu,
baixel da Grécia, que não te afunde o trovão,
infla as velas que vamos ao mesmo porto.
Vaixell de Grècia
Si per les albes veieu passar un vaixell
besant les aigües del mar bressol dels déus,
feu-li senyal, que pugui veure on som
i navegar amb nosaltres cap al nord.
Si no duu xarxa, ni orsa, ni timó,
no penseu mai que ho hagi perdut tot,
que el poble sempre podrà inflar el velam
per guanyar onades fetes de por i de sang.
Vaixell que plores igual que plora el meu,
que duus la pena i el dol que porta el meu,
vaixell de Grècia, que no t’enfonsi el tro,
infla les veles que anem al mateix port.
(L. Llach, do disco I si canto trist, 1973)
sábado, abril 15
294. La vecchiaia è brutta
«É, você está ficando velho...»
quinta-feira, abril 13
293. 14 de abril

quarta-feira, abril 12
292. Curta fábula urbana (II)
segunda-feira, abril 10
291. Curta fábula urbana
domingo, abril 9
290. Da Itália à Galiza
Canto do Irmán Sol
Outismo, onipodente, bô Señor,
tuas son as loubanzas, groria, honore e toda beizón,
que a ti sômente, Outismo, ben debidas que son
e ningún home é dino do teu nome falar.
Loubado meu Señor con todal-as creaturas
e mais mellor ainda cô irmán Sol,
pol-o que a nós nos mandas o día e a calor;
é belo, rayolante e con grande esprendor,
de ti Outismo ten sempre a siñificación.
Loubado meu Señor pol-a irmán Lúa e Estrelas,
que no ceo fixeches craras, garridas, belas.
Loubado meu Señor, pol-o irmán Vento,
pol-o Ar, pol-as Nubens, a Calma e todo o tempo
pol-o que as creaturas das o mantenemento.
Loubado meu Señor pol-a irmán Auga,
que é útil, homildosa, ben preciada e casta.
Loubado meu Señor pol-o irmán Lume,
pol-o que aloumiñas as mourenzas da noite;
el é belo, xocundo, baril, lanzal e forte.
Loubado meu Señor pol-a irmán e nai Terra,
pois ela nos mantén decote e nos goberna.
e en adumo da os froitos con côres, flores e herbas.
Loubade e beizoade, ao Señor gracias lle dade
e servídelle decote con moi grande homildade.
e terman a doenza e a tribulazón.
Benaventurados sexan os que as sofren en paz,
pois por ti Outismo coroados serán.
Loubado meu Señor pol-a irmán Morte do corpo,
que non hai home que poida fuxir seu atopo.
¡Ai de aqueles que morran en pecado mortal!
Benaventurados os que a tua santa vontade fan,
pois a morte segunda lles non fará mal.
quinta-feira, abril 6
289. Um (quase) conto de Carles Sindreu
Quase um conto
Esta tarde, a boa mãe falou sobre seus quatro filhos obedientes, estudiosos, e a senhora da loja embrulhou para ela, com papel de seda, seis bombons de chocolate, brilhantes, com um interior enigmático – talvez seja fruta cristalizada, ambrosia, noz ou avelã. Embrulhou-lhe seis, porque sabe que a boa mãe é louca pelos bombons e que não pode comer muito, somente de tempos em tempos, e consigo pensou: «Dois para ela e um para cada menino».
A mãe, com passo resignado, vai em direção ao ponto do bonde. Numa mão, o grande pacote dos sapatos usados e na outra o pequeno pacote das gostosuras. Atravessando uma praça deserta desembrulhou-o já duas vezes, fazendo farfalhar o papel de seda. Agora sente ainda mais forte o desejo, depois da retomada do passo.
«Ao maior, veja-se bem, agrada-lhe os bombons, mas… vou comer o seu… não vai ligar. É um menino tão bom…»
E desembrulha o pacotinho novamente.
O ponto está ainda mais longe. Então, toma uma rua estreita que tem um ligeiro declive.
«Meu Deus… E agora, uns sim e outros não… serei eu tão cruel a ponto de fazer distinções entre os meus filhos?»
E a santa mulher ia sempre deglutindo…
O bonde levou um bom tempo para chegar. Ela limpou os lábios pálidos com um lenço bordado. Pobre mãe, que leva uma vida de sacrifícios sem outra compensação, a não ser aquele furto pueril que comete a cada quinze dias contra seus próprios filhos!…
Quando a boa mulher pousa seu pé pesado no estribo do bonde de subúrbio, deixa cair dissimuladamente o papel de seda inútil que conteve os bombons. O papel de seda, amassado e trabalhado pela sua mão nervosa tornou-se uma bolinha branca e pequena – uma bola de pingue-pongue – que o vento vai levando entre o brilho dos trilhos.
Quasi un conte
Aquesta tarda, la bona mare ha parlat dels seus quatre fills submisos, estudiosos, i la senyora de la casa li ha embolicat amb un paper de seda sis bombons de xocolata, lluents, amb un interior enigmàtic —potser fruita confitada, neula, nou o avellana. Li n’ha embolicats sis, perquè sap que la bona mare es fon pels bombons que no pot menjar més que de tant en tant , i ha pensat: «Dos per a ella i un per a cada noi».
La mare, amb el pas resignat, fa via vers la parada del tram. En una mà el gros paquet de les sabates usades i en l’altra el petit paquet de la llepolia. En travessar una plaça deserta ha desembolicat ja dues vegades tot fent cruixir el paper de seda. Ara sent encara més fort el desig després de la represa.
«Al noi gran, ben mirat, ja li agraden ja, però… Em menjaré el seu… No s’enfadarà pas. Es tan bon xicot…»
I desembolica novament.
La parada encara és lluny. Ara enfila un carrer estret que fa una baixada ràpida.
«Déu meu… I ara els uns sí i els altres no… Seré prou cruel per a fer distincions entre els meus fills?»
I la santa dona segueix engolint sempre…
El tram ha trigat una bona estona a arribar. Ella s’ha eixugat els llavis pàl·lids amb un mocador sargit. Pobra mare que porta una vida de sacrifici sense altra compensació que aquell furt pueril que fa cada quinze dies als seus propis fills!…
Quan la bona dona posa el seu peu feixuc sobre l’estrep del tramvia de suburbi, deixa caure amb dissimulació el paper de seda inútil que contenia els bombons. El paper de seda, arrugat i treballat per la seva mà nerviosa ha esdevingut una piloteta blanca i menuda —una bala de ping-pong— que la ventada s’emporta entre la lluïssor dels rails.
segunda-feira, abril 3
288. Volta a Arena

«É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e também professor titular de Direito Constitucional e professor titular do Departamento de Direito Processual Civil. [...] «Na Prefeitura de São Paulo, exerceu os cargos de secretário dos Negócios Extraordinários (1974-1979), secretário dos Negócios Jurídicos (1986-1989), secretário de Planejamento (1993) [...]» (Diário Oficial de 1.º de abril de 2006, sábado)Apesar de citar que o Governador pertence ao PFL e preside a sua seção paulista, omite-se sua filiação à Arena durante o Regime Militar, o que alguém mais arguto presume pela data em que ocupou essa secretaria dos Negócios Extraordinários do Município; nota ainda que o PFL é um dos filhotes da dissolução da Arena.
A existência de políticos e partidos oportunistas, como os citados, deve-se à Anistia de 1979, que anistiou ambas as partes, a oposição e os situacionistas. Não era mal que ocorresse aqui, o que tem acontecido na Argentina, de rever o passado, mas por cá, há a síndrome de pôr-pedras-sobre-o-assunto.
sábado, abril 1
287. Bananas-de-pijama

Não temos mais os generais-de-pijama da época do Regime Militar, mas a dupla de tucanos paulista: à esquerda Sua Excelência, o Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, ao centro (com um copo de quê?), o nosso egrégio Prefeito, José Serra; já pendendo para a direita, uma garrafa de cerveja e na extrema direita (!) uma popular. Como já sabemos, Alckmin disputará a Presidência (deixando-nos no Governo do Estado o amorfo Cláudio Lembo) e Serra, o Governo do Estado (e deixando na Prefeitura do Ph. D. em mão-leve Gilberto Kassab). Entre os quatro da fotografia, eu votaria sem hesitar na garrafa de cerveja: me parece a mais capacitada para qualquer dos cargos em disputa.