318. Anglice loqui
«É muito sabida a influência enorme que o helenismo exerceu sobre a Itália, onde eram imitados da Grécia os costumes, literatura, teatro, a indumentária, a cozinha, etc., etc.; importava-se tudo que era grego, omnia graece, como disse Juvenal. A língua helênica devia ser ensinada às moças nas escolas a que Tito Lívio se referiu. As romanas exprimiam a cólera, a alegria e as preocupações nesse idioma: hoc iram, gaudia, curas effundunt (Juvenal, Sátira IV). Esse poeta satírico se revoltava e julgava indecente que uma velha se expressasse em grego: Non est hic sermo pudicus in vetula (ibidem). Houve longa reação contra a língua e contra os costumes helênicos. Entre os reacionários [?] estava Catão, o antigo, que finalmente foi obrigado a ceder e aprendeu grego aos oitenta anos de idade.»
Extraído do Almanaque do Correio da Manhã 1955 (do tempo que os jornais ainda se preocupavam com cultura e não somente em encartes perfumados ou inserções comerciais de grandes empreendimentos imobiliários) (vide Post scriptum no final do texto)
Ser-me-á muito dolorido ter de aprender inglês de forma séria. Não por puro anti-americanismo, mas porque, frente às línguas latinas, a considero quase incompleta, pobre de vocabulário. O inglês apresenta-se-me como uma língua de auxílio, um patoá para o comércio, nunca uma língua de cultura. Se há os que gostam, não os censuro, mas as menininhas que entram nas escolinhas de inglês da vida e põe-se a escrever num inglês truncado e entrecortado, isso sim, é de irritar profundamente. Orlando, numa das tertúlias quase diárias, citou-me exemplo de escritores que abandonaram o inglês em detrimento da sua língua própria. Evidentemente que eram todos escritores que haviam abandonado inclusive a terra de onde eram originários, como Vladimir Nabokov.
O que me dói é que o inglês não está aparecendo como uma nova língua de cultura - como fora o francês até a década de 1960 e ainda o é em parte, ou o italiano - o inglês que é ensinado é um inglês voltado às ciências argentárias única e exclusivamente. Ensina-se nas escolas como perguntar o preço das coisas, como pechinchar, mas não se toca em uma única linha de Shakespeare ou Chaucer. Pergunte-se a alguém desses cursos sobre o antigo pronome thou e não obterá resposta alguma. Além do mais, aprendem esse inglês de mercearia - da Mercearia Universal que estamos a transformar o mundo! - e viram as costas ao vernáculo. Notórios são os erros de ortografia e pronúncia, os pronomes mal colocados, os verbos mal conjugados e por aí vai.
Mais recentemente - coisa de já uns anos - surgiu uma escola de inglês em São Paulo que «propaga» o inglês como língua universal (para mim, o idioma que tinha - e tem - esse epíteto é o esperanto) e isso muito me assusta. É o poder econômico sobrepondo-se às preferências lingüísticas pessoais. Aprende-se inglês porque é tido como necessário. O que me consola é que assim, o inglês jamais se tornará língua de cultura - não porque não mereça, mas pelo verniz comercial que lhe aplicam: será sempre um patoá para o comércio, como fora a língua geral nas costas brasileiras à época colonial. Precisamos do inglês somente para ler alguns manuais de instrução de aparelhos eletrodomésticos e entender algmas mensagens de erro de computador. Nada mais.
Creio solidamente que o inglês não substituirá as línguas nacionais, como é propalado por alguns - ouvi alguém comentar tal dito de um lingüísta. Tanto como não creio que em 50 anos estaremos falando um amálgama de castelhano e português - como deve ter dito algum outro.
E espero ainda não terminar como Catão, o velho.
P. S.: faço ressaltar ainda a minha preferência para a pronúncia do latim, sendo para mim, a eclesiastica (ou italiana) preferível à reconstituída (usada nas Universidades).
4 Comentários:
Hum... belo template verde (rs)
A língua inglesa não é pobre de vocabulário, Sérgio. O que acontece é que é cheia de "enxertos" estranhos. Algumas de suas construções, para um falante de língua neolatina medianamente culto, podem parecer de um hibridismo desconcertante. Porém, o inglês de filme não pode servir como parâmetro para se avaliar o conjunto do idioma, pois apresenta vocabulário depauperado e abusa da polissemia meio preguiçosa do cotidiano. Seria o mesmo absurdo que julgar a língua portuguesa em geral a partir das novelas da Globo. Estamos em uma época de comunicação de massa onipresente e aviltamento da educação: é natural que todas as línguas sejam afetadas por certa simplificação incômoda.
Se alguém me achar conservador ou "reaça" pelo que acabei de dizer, paciência...!
Uma vez uma conhecida me disse "minha maior dificuldade é colocar tudo que penso em português no enxuto inglês".
Sou obrigada a aprender inglês também, amigo Sérgio, compactuo das suas idéias.
Além disso, respondo em latim e espanhol para minha professora de inglês. É automático e, segundo a sintaxe, natural que você use a 2a língua quando aprende uma terceira.
O inglês é na veradade uma língua românica... é quase,,,
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