quinta-feira, junho 1

317. Curta fábula urbana (V)

Pavão

Era uma pessoa normal. Quem o visse andando pela rua, jamais imaginaria que a tirania tinha ali morada. Era um senhor de meia-idade, pendendo para a terceira, cabelos grisalhos e aspecto venerando. Mas se vocês conhecessem os trabalham com ele, ah!, seria toda uma outra história: era chefe de uma repartição pública. Mandava e desmandava, berrava, fazia os funcionários ficarem nervosos com procedimentos que eram cambiantes a cada minuto. Era detestado e ridicularizado às escondidas. Porém, interpretava isso como medo respeitoso que lhe tinham. Era tão imbuído de tal, que caminhava pela rua, ali, como ele vem agora, descendo a ladeira, ao lado da loja de frios, veja como ele vem altivo e soberbo e no seu rosto está estampada uma expressão fátua de superioridade. Anda rígido como se marchasse – e com isso propala que teve educação militar! – olhando do alto, lançando olhares soberbos e inquisidores ao padeiro, ao jornaleiro. Ele pensava que os intimidava, mas os comerciantes daquela calçada consideravam-no um retardado mental de peso daqueles que somente o serviço público pode produzir. E veja que hoje ele vem ainda mais erguido e parece que o seu peito vai estourar de tanto que o estufa. Vai passando: acenou esnobemente para o padeiro, ignorou o açougueiro. Agora compra o jornal, pede com um grave tom de voz que lembra um filme de comédia, enche a mão do jornaleiro de moedas. Vai atravessar a rua e com a cabeça erguida como está, não vê o ônibus que vem a poucos metros de si. O ônibus tampouco consegue brecar, bate contra o chefe de repartição com uma velocidade considerável, manchando já a parte direita da grade de ventilação do ônibus com sangue; o baque é horrendo – sente-se, parece, ouvir o estalido dos ossos rompendo-se – e o corpo, jogado de volta para a calçada, bate fortemente contra o fundo da banca de jornal e cai, desfigurado e retorcido, junto do cesto de lixo. Em alguns minutos, enquanto não chega o carro do Instituto de Medicina Legal, o corpo vai pondo sangue aos borbotões. Começa a juntar-se a costumeira turbamulta, entre ela, alguns subordinados do finado burocrata. «É meu chefe…», alguém diz na aglomeração. Logo, o dono da voz destaca-se do grupo e vai rua abaixo, em direção ao escritório. Vai dar as boas-novas aos colegas. O sangue formou já uma poça e começa a escorrer pela sarjeta; afinal de contas, sangrava e morria mais ou menos como todo o mundo.

3 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

fofíssimo. ":)".

quinta-feira, junho 01, 2006 5:51:00 da tarde  
Blogger Fatimah Almeida disse...

Olá, Conde

O link para o meu blog é:

http://www.imsar.blogspot.com

O nome é Im Sar (minha montanha/monte/refúgio/sei lá... em armênio rs)

Bjos

sexta-feira, junho 02, 2006 11:11:00 da manhã  
Blogger Jeferson Ferreira disse...

só você para dar forma ao sonho proletário

sexta-feira, junho 02, 2006 11:52:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home