O jogo do bicho no ambiente corporativo
Todo escritório tem alguém que joga no bicho. Sim, eu sei: é ilegal, é clandestino, etc., etc. e tal; mas sempre tem. No meu escirtório, é o chefe da segurança; todas as manhãs, ele passa em giro pelos setores, munido de uma caneta esferográfica e um bloco de anotações, e indaga a quase um a um, o que sonhou naquela noite. Resultados da oniromancia anotados, ele fecha-se em sua sala e de uma ignota e complicada combinatória, chega a determinados milhares para a aposta.
Hoje, eu de costas, voltado para o meu computador, vejo seu vulto pelo canto dos olhos, tal qual uma geladeira a andar e já das mesas mais à frente, já indagava dos sonhos.
— Então, Virgínia; o que você sonhou.
Essa hora do dia era sagrada para o Chefe; tanto que o walkie-talkie começou a resmungar, ele o puxou da cinta:
— Daqui a pouco, daqui a pouco! Agora eu ’tô ocupado!
Repôs o comunicador no cinto; mas a onda de risos murmurados correu pela sala; ele impávido, retomou donde havia parado:
— Então, Virgínia…
— Bem, eu sonhei que estava no circo… tinha um show de palhaços…
— Hum… show de palhaços… - fazia ele ávido.
— É; e depois vinham, equilibrando-se uns sobre os outros, uns elefantes…
— Elefante! – gritou o Chefe, atraindo a atenção dos quase vinte funcionários; anotou febrilmente no caderninho.
— É, mas eles caiam e a platéia saltava, cortava os elefantes e começava a fazer churrasco…
O paladino de preto ficou lívido e fez uma expressão mista de pasmo e desgosto. Riscou a anotação. Deu uns passos; e distraído e parou na próxima divisória.
— Vitório, meu querido… como vai?
— Indo, indo…
— Mas então, diga lá; o que você sonhou?
Vitório fez-se lívido.
— Nada…
— Vitório? Nada?! Com essa cara você acha que engana quem? Vai, pode ir me contando!
Vitório sentado fez sinal para que o Chefe se abaixasse, e disse-lhe a meia-voz:
— Sonhei com a chefe.
O Chefe olhou para ele com o semblante radiante:
— He, he! Cobra na cabeça! Mas, só isso?
— Não… uhm… na verdade…
— Na verdade o quê, homem?!
— Chhh! Fala baixo… na verdade, eu sonhei… que estava na cama com ela; é isso. – Vitório fez-se roxo.
— Deus-do-céu! – exclamou riscando novamente o caderninho. Persignou-se e andou mais um pouco. – Adamastor, meu velho! E aí, que você sonhou?
— Nada.
— Como nada?! – fez assustado.
— Nada; durmo do jeito que acordo.
— Mas dizem que todo mundo sonha…
— Se sonho, não lembro…
— Fuf! ’Tá ruim o negócio aqui hoje, hem? – resmungou o Chefe. Andou mais um pouco e parou diante de Nestor, que nem de jogo do bicho entende.
— É, Nestor; não temos prognósticos bons… me diz aí o que você sonhou.
— Então; eu sonhei com geladeiras…
— Geladeiras?!… mas nem tem pingüim no jogo do bicho!
— …geladeiras que se usavam de trenó, puxado por gente…
— Geladeira-trenó?!
— É, e tinham umas ucranianas brincando disso…
— Ucraniana? Que diabo! Como você sabe que eram ucranianas?
— Elas falavam ucraniano.
— Mas, Adamastor, você fala ucraniano?
— Não…
Começou o Chefe a retirar-se.
— Acho qu’eu não vou jogar hoje…
— No meu sonho, tinham ainda uns celulares que voavam… ajuda.
O Chefe fez que não com a mão; não dava certo. Mas que povo mais sem imaginação.
2 Comentários:
Consta que nosso inesquecível Pedro II é o inventor da contravenção. A canalha da Corte é que se encarregou de torná-la perfeitamente legal e confiável.
o bixo é uma instituição do folclore brasileiro, defendida por Graciliano Ramos e por minha mãe, jogadora ávida...
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