segunda-feira, junho 20

Diários de viagem (IV)

Preparativos derradeiros

O sono foi pouco, agitado e absolutamente falhado; pontualmente às 6, o telefone começou a tocar, dando-me um belo dum susto, atendi antes do segundo toque.
— Bom-dia, são 6 horas. – avisou a voz fanhosa de sono do funcionário do hotel do outro lado.
— Anh? Ah, ’tá! ’Brigado. – respondi com uma voz ainda mais falha e rouca.
Esfreguei os olhos e sentei na cama; como todo dia, tal-qual acordando em São Paulo, o céu estava começando a azular-se. Fui ao banheiro para as ordenações consuetas matinais e enrolado num cobertor peguei o texto já feito e comecei a relê-lo, a fim de revisá-lo. Fiz diversas notas aleatórias e inclusivas, que escorregavam na margem da folha e iam para o verso indicadas por inscrições de “v/v” (vide verso); no final a folha estava ilegível.
— Não vou poder ler isso na hora; gira folha pra lá; pra cá, vou acabar me perdendo; tenho de passar isso a limpo. A minha cabeça entrou no stand-by (1) e do lado de fora, havia uma chaminé de lata em três segmentos desalinhados, uma verdadeira chaminé de Pisa, ou as torres de Bolonha.
Me virei para pedir algum conselho para o travesseiro, quando o telefone tocou novamente e de novo me assustou. Eram 8 e meia passada.
— Alô?
— Alô, buongiorno. Vamos tomar café?
Eh, ciao, buongiorno; vamos sim; eu já me troco de desço.
Pus uma calça jeans e desci. Encontrei as três moças no restaurante do hotel, devidamente assentadas; peguei um copo de suco e uma fatia de abacaxi e juntei-me a elas.
— E então, - sorri – dormiram bem?
Ivy respondeu primeiro.
— Hum-hum. Dormi.
Renata e Juliana também. Conforme elas iam falando, o meu estômago não queria aceitar o suco e o abacaxi que eu estava tentando comer. Renata relatou sua preocupação sobre a apresentação, de certo arquivo que não recebera.
— Bem, - disse eu – eu também preciso arrumar o meu texto, por causa das alterações que fiz… o original está um horror, não dá pra ler; vou ter de ir até alguma lan-house, será que tem alguma por aqui; eu olhei na lista telefônica e só tem duas…
Juliana mostrou um folheto. Era um folheto de lan-house; com um mapinha mais que explicativo; era a algumas quadras do hotel.
— Vamos lá, Renata? Eu só subo no quarto pra pegar os originais e nós podemos ir.
— Tudo bem.
— Eu e a Ivy esperamos você aqui. – disse Juliana.
Terminamos o café e subimos; cinco minutos depois, estava já eu no térreo, Renata chegou e fomos, subimos a rua perpendicular até cruzar a avenida Brasil, era nela mesmo só que à esquerda, algumas quadras para baixo. Não vimos o número e quase passamos reto, na verdade, nós passamos reto e voltamos. A porta e a escada não davam a entender que havia um lan-house ou qualquer outra coisa no primeiro andar; mas o número era aquele. No final da escada, uma porta e com letras de plástico coladas na parede: telefones, internet, impressões. Por dentro da porta, uma ante-sala com um balcãozinho, detrás do balcãozinho, uma mocinha de cara simpática; não bonita, mas simpática.
— Bom dia – fez a Renata – nós precisamos usar a internet…
— Bom dia – fez, por sua vez a mocinha – é só ir ali, no número sete – e apontava para um dos cômodos onde havia umas divisórias de fórmica – aquele está livre.
Isso tudo dito num português que lembrava muito aquele português dos Les Luthiers na música Bossa Nova; ou seja, a mocinha era de fala hispana, muito provavelmente, pelos traços mestiços, paraguaia.
Sentei-me diante da máquina e Renata puxou para si uma cadeira. Olhei o meu e-mail, atrás do presunto arquivo e nada; Renata olhou o dela e nada também.
— Hum. – fez ela – deve estar no do da Ju. Eu vo’ até o hotel buscá-la.
— Certo, eu fico aqui e continuo a editar o meu texto.
Renata saiu e eu continuei digitando; a única coisa que me vinha à cabeça era a Cantata para a abertura da Exposição Politécnica, do Tchaikovsky, talvez porque tivesse a ver com feira, evento e ser de um tom ao mesmo tempo grandioso, dramático e melancólico.
Nesse meio tempo, entrou que presumi ser o pai da moça, que falava com ela em castelhano. Depois, entrou um mocinho que precisava procurar na Internet uns artigos de Sociologia, mas não sabia mexer em nada, e chamava o paraguaio de cinco em cinco minutos. Depois entrou um mexicano – sei porque ele se anunciou como tal – que precisava fazer uma ligação para sua terra. Mais um pouco, chegaram Renata e Juliana.
— Deixa eu dar uma olhada no meu e-mail… eu trouxe o CD para gravar o arquivo; tem gravador? – perguntou Juliana.
— Hum… eu acho que… - não deu tempo para que eu pudesse completar a frase, a mocinha da loja já estava junto de nós:
— Tem sim.
Por sorte, parece que o bendito arquivo estava ali; era uma apresentação de slides. Gravaram o CD.
— A gente ’tá indo prò hotel, ’tá? – disse Ju.
— Tudo bem; eu acabo aqui, imprimo, volto no hotel, me troco e vou; mas, qual ônibus que pega pra ir pra lá?
Ju me deu um outro panfleto da lan-house com o nome de três ônibus anotados: Três Lagoas, Três Bandeiras e Gleba Guarani.
— Saem do terminal de ônibus.
— E onde está, aqui no mapa, o terminal de ônibus? – perguntei.
— Aqui. – fez Ju com o dedo.
— Então eu tenho de ir pra lá? – apontei com a direita.
— Não, você tem de ir pra lá. – fez Ju apontando para a perpendicular da minha direita.
Essa discussãozinha arrastou-se uns dois minutos, até que o paraguaio interviesse.
— No, vocês están aqui. O terminal é uma quadra da avenida JK…
— Certo - fiz eu – que é pra lá, né? – Apontei a minha direita.
— No – fez o paraguaio – você pega a República Arxentina e vai sair quase em frente ao terminal, ou melhor, vai sair bem em frente; no é lonxe.
Agradeci ao paraguaio, depois de tomar as notas necessárias.
— Qualquer coisa – disse ainda Ju – você liga no meu celular.
— Po’ deixa’. Vejo vocês lá rapidinho.
Fiquei um pouco ainda na lan-house, coisa duns 20 minutos, e pedi para a mocinha imprimir as minhas folhas; o que demorou um bocado, porque a impressora era muito, mas muito lerda. Quando fui pagar, a mocinha simpática era só sorriso, mas em compensação tinha um outro paraguaio, mais novo (irmão, namorado?) que estava com cara de poucos amigos; mas eu estava tão nervoso que paguei o que devei e chispei em direção ao hotel.
Pus uma camisa, uma calça, provi a bolsa dos papéis necessários e no saguão perguntei a direção do terminal; a moça que era a titular da recepção no momento, indicou-me a esquerda. Ainda bem, pois o meu senso de direção me indicava a direita. Em pouco menos de cinco minutos, estava eu no terminal de ônibus. Primeiro, tive de rodar toda sua quadra, pois não achava a entrada; o que tive de perguntar ao segurança; que depois, sarcasticamente me respondeu:
— Ah, eu vi o senhor indo lá pro fundo, dando a volta, não imaginei que estivesse perdido…
Finalmente, tendo pagado a tarifa de R$ 1,85, entrei no terminal de ônibus e esperei o ônibus no local indicado. Apesar de não tê-lo reparado na hora, na visita posterior ao local, pude observar a curiosa estrutura do terminal, um misto de traves de madeira, rusticamente trabalhadas e encaixes de metal. Realmente muito interessante e criativo.

Notas:

(1) stand-by (informática); estado no qual os computadores, depois de algum tempo desativados, apagam o monitor e ficam no aguardo para serem ativados; modo-de-espera; usado aqui no caso como eufemismo para que está pasmando.

Veja ainda:

Diários de viagem (I)
Diários de viagem (II)
Diários de viagem (III)

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