quinta-feira, outubro 13

197. Vizinhança

Um vizinho que é uma besta-quadrada. Quem não tem um? Ou quem não conhece alguém que o tenha? Sou privilegiado de tal espetáculo: um vizinho besta à sua medida, daqueles que faz barulho depois das 10 da noite num lugar maciçamente residencial, que se encontra no sábado à-tarde no mercado, bêbado e no domingo de manhã lavando o carro; álibi para lavar o vômito dos convidados do festim da madrugada anterior, coagulado pelo chão de cerâmica.

Um vizinho daqueles que até tem uns soldos para dar um jeito na casa, enfim, terminar o acabamento, pôr um telhado; mas o meu vizinho continua investindo no som do seu automóvel, nos faróis-de-milha, nas calotas cromadas enquanto o seu telhado, ou melhor, sua laje continua exposta às intempéries, lambuzada de piche. Volta-e-meia esse egrégio vizinho aparece-me diante, pois sua laje é ao mesmo nível da porta da minha cozinha, onde tem um balcãozinho. Sou obrigado a cumprimentá-lo; lá está ele, com o cigarro dependurado no canto do lábio, de bermuda e camiseta furada com propaganda de tinta, armado dum maçarico e uma manta asfáltica. «É pra tampar o racho… ’tá chovendo dentro do meu quarto… pode isso?». Sorrio sem graça e desço a escada.
Aïnda na laje em frangalhos, há, apoiado em duas muretas, uma caixa d’água de fibra (ou plástico, não sei bem). Primeiramente, quando foi primeiramente instalada, apoiaram-se as extremidades da caixa, que em realidade é um cilindro achatado, e no meio formou-se uma barriga, ou seja, a caixa de 750 litros d’água quase estourou. Arrumaram-se umas tábuas acinzentadas do tempo e carcomidas de algum inseto; puseram-nas sobre as muretas, fazendo uma superfície; mas as pranchas são desiguais e o seu aspecto junto com as muretas sem acabamento nenhum, não ficou dos melhores.
Na verdade, a caixa parece mais uma panela de pressão, não exatamente um cilindro; uma panela de pressão com a boca estreita. Junto dessa boca, fica a entrada do cano alimentador da bóia; cano por sua vez mal vedado e cujo abre-e-fecha da válvula da bóia terminou por minar a junção feita com massa acrílica. O resulta é que hoje de manhã, da janela da minha cozinha, havia um modesto chafariz e um lago. O barulho da água sobre pressão vazando ouviu-se a noite toda, pois começara no pós-merídio de ontem. «Eu não vou avisar esse estúpido», praguejou o meu pai quando percebeu, logo após o almoço; «quem manda ficar fazendo barulho e zoneando até tarde? Que caia toda a água na cabeça dele…». E apesar de todas essas misérias de vazamentos, festinhas, serviços mal-feitos, enquanto eu olhava o espelho-d’água que se formara pelo copioso vazamento, banhado pelo sol fulgente desta manhã, ouvi um contínuo e rápido farfalhar. Um casal de pássaros aproveitava alegremente aquele lago improvisado e banhava-se.


A partir de hoje, as postagens serão numeradas pelas sua ordem natural, sendo esta a de número 197.

Erário Nacional: reforma, feng shui aplicado nos ambientes, maoísmo, como montar uma banda de pagode, como fazer cerveja em casa, dicas para o seu churrasco, como sanar vazamentos.

3 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

você colocou o blog sob a licença creative commons! LEGAL:D!
copyright é para perdedores.

quinta-feira, outubro 13, 2005 4:37:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Sugerimos um teste. Pergunte-lhe se é feliz. A resposta, sem dúvida, será positiva. A bárbarie é casada com a felicidade, apesar de ser filha da carência.

PS:
- Aceitamos vossos conselhos com relação à organização de nosso humilde espaço. Abaixo os coreanos filhos da puta!
- Sei que trata-se do Azerbaijão, porém, devido à crise de visitas atual, não pude arranjar nada melhor. Meu chefe (coitado, desatento devido a recentes crises de loucura) nem percebeu a diferença na fatura.

- Sei muito bem o que Monsieur Le Prince andou publicando em sítios alheios. Garanto-vos que nosso cabaré trata-se de uma casa séria, na qual a dita cantora seria muito bem tratada.

- Bestião é a & * % que o pariu!

À bientôt

quinta-feira, outubro 13, 2005 5:24:00 da tarde  
Blogger Unknown disse...

"não vou avisar esse estúpido" foi muito bom. e pra mim, que não vos conheço, serviu de saber que os genes lamuriantes são bem ao estilo tal pai tal filho.

rolei de rir.
se é que isso cabe a uma dama.

se não cabe, então já era.

sexta-feira, outubro 14, 2005 2:55:00 da tarde  

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