192. Sentidos
(extraïdo dum certo diário)
«Que feliç era, mare!,
que feliç era jo!»
que feliç era jo!»
(Que feliç era, mare. Lluís Llach)
O sentido perdeu-se. Nada mais tem coerência, são peças soltas e dispersas. A vida é uma cidade planejada por um cirurgião, linhas tortas e ruas mal-traçadas, tortuosas, e a gente dispersa por ela, agarrada a postes e crendo que a sua rua é a melhor e única existente, até que se lhe rompa um cano, caia um cabo dos postes; nada sob o céu faz sentido; o sentido esfarinha-se sob a força das mãos como o ferro consumido pelo ar e pela força dos anos. O sentido é tão denso quanto uma nuvem; às vezes se acumula tanto no horizonte que causa tempestades, sentidos chocando-se e eis os raios, os atritos. Mas dum instante para o outro chove e se dissipam: o céu sem sentido algum, sem o sentido forçoso e fatídico que lhe atribuem, já que o sentido original e natural se foi, cria-se-lhe à força, vazio e móvel, como vidros jogados na água, que apesar de se fazerem invisíveis, cortam e decepam a mão desavisada que se lhes interpõe. São sentidos obrigatórios e claustrofóbicos, sentidos sociais de sapatos e colete e um bom emprego de dois mil reais, de assistir novela e deixar-se influenciar pela Imprensa.
Sentidos que cansam, fazem cansar, criam a Humanidade que dorme cinco horas por noite e vive de café e desaforos; o sentido obrigatório da Humanidade, coveira e algoz de si mesma, que colecciona o argento para que lhe refulja a sepultura; os dentes dos famintos que não têm sentido, e que sentido têm os nossos empregos e os nossos individualismos? Viver de contas, comida e preocupaçõezinhas? Que vida? Que sentido?
L’inutilitat del temps i de l’espai - Procurar coisas que tenham sentido é uma grande perda de tempo, mas também o tempo é desprovido de sentido. Fora que, o que é o tempo, senão uma sensação psíquica abstrata simbolicamente representada pelo girar dos ponteiros dos relógios? O que marca o tempo é o deslocamento feito por coisas e objetos ou pessoas (que não deixam de ser matéria inanimada devidamente ordenada de modo a ter autonomia). Nada é imediato, por mais estúpido que seja, consome tempo; para executar acções há o desgaste físico: esse é o sinal do tempo. Um trilho de trem gasto indica que muitos comboios esmerilharam-no; o que é impossível de ser feito num só momento, muitas viagens foram necessárias para desgastá-lo. Considerandoi que o movimento dos trens sobre os trilhos é intermitente, deduz-se que tal desgaste demore muito. É o sinal físico do tempo. E assim é com tudo: a madeira que seca sob a acção das intempéries e esfarinha-se, os lápis que se consomem, o asfalto que esfarela e esburaca, o azinhavre que recobre o cobre das cúpulas das igrejas, o plástico que se faz quebradiço e farelento, a pele humana que enruga sobre a carne e os músculos que se debilitam. Os signos violentos e sádicos do tempo. A lei da fadiga dos materiais, à qual nós, seres humanos não nos conseguimos abstraïr, mesmo com toda nossa consciência.
O sentido de tudo o que é humano é passageiro: o que hoje é de vital importância, amanhã é nada, motivo de riso e escárnio; e hoje causa pranto e suor, amanhã receberá desprezo e escarradas, lixo inútil.
Mas a gente não percebe que todo afã e todo sofrimento é inútil, toda mesquinharia e glória menor e fátua será coroada com as coroas feitas dos seus próprios ossos, perdidas na escuridão e no ostracismo húmido dos sepulcros. Vãs vaidades. A carne de todos será o deleite dos vermes e tudo quanto que consideramos tão belo terminará tendo por tribunal o estômago imparcial e democrático dos necrófagos; idem o nosso cérebro, que nos põe não muito além, como animais pensantes, se fará em guisado putrefeito para os decompositores.
E tudo se perderá no tempo: aflições, sorrisos protocolares, mal-estares, conhecimento. O tempo nada perdoa, é inclemente. Veremos até quando sobreviverão os octetos numéricos, as línguas; o papel é já notório que está eternamente condenado a um lento e certo processo de ustulação, de combustão que ao cabo do tempo necessário será transformado em lixo imprestável.
Por isso, nada se justifica e nada faz sentido qualquer.
Sentidos que cansam, fazem cansar, criam a Humanidade que dorme cinco horas por noite e vive de café e desaforos; o sentido obrigatório da Humanidade, coveira e algoz de si mesma, que colecciona o argento para que lhe refulja a sepultura; os dentes dos famintos que não têm sentido, e que sentido têm os nossos empregos e os nossos individualismos? Viver de contas, comida e preocupaçõezinhas? Que vida? Que sentido?
L’inutilitat del temps i de l’espai - Procurar coisas que tenham sentido é uma grande perda de tempo, mas também o tempo é desprovido de sentido. Fora que, o que é o tempo, senão uma sensação psíquica abstrata simbolicamente representada pelo girar dos ponteiros dos relógios? O que marca o tempo é o deslocamento feito por coisas e objetos ou pessoas (que não deixam de ser matéria inanimada devidamente ordenada de modo a ter autonomia). Nada é imediato, por mais estúpido que seja, consome tempo; para executar acções há o desgaste físico: esse é o sinal do tempo. Um trilho de trem gasto indica que muitos comboios esmerilharam-no; o que é impossível de ser feito num só momento, muitas viagens foram necessárias para desgastá-lo. Considerandoi que o movimento dos trens sobre os trilhos é intermitente, deduz-se que tal desgaste demore muito. É o sinal físico do tempo. E assim é com tudo: a madeira que seca sob a acção das intempéries e esfarinha-se, os lápis que se consomem, o asfalto que esfarela e esburaca, o azinhavre que recobre o cobre das cúpulas das igrejas, o plástico que se faz quebradiço e farelento, a pele humana que enruga sobre a carne e os músculos que se debilitam. Os signos violentos e sádicos do tempo. A lei da fadiga dos materiais, à qual nós, seres humanos não nos conseguimos abstraïr, mesmo com toda nossa consciência.
O sentido de tudo o que é humano é passageiro: o que hoje é de vital importância, amanhã é nada, motivo de riso e escárnio; e hoje causa pranto e suor, amanhã receberá desprezo e escarradas, lixo inútil.
Mas a gente não percebe que todo afã e todo sofrimento é inútil, toda mesquinharia e glória menor e fátua será coroada com as coroas feitas dos seus próprios ossos, perdidas na escuridão e no ostracismo húmido dos sepulcros. Vãs vaidades. A carne de todos será o deleite dos vermes e tudo quanto que consideramos tão belo terminará tendo por tribunal o estômago imparcial e democrático dos necrófagos; idem o nosso cérebro, que nos põe não muito além, como animais pensantes, se fará em guisado putrefeito para os decompositores.
E tudo se perderá no tempo: aflições, sorrisos protocolares, mal-estares, conhecimento. O tempo nada perdoa, é inclemente. Veremos até quando sobreviverão os octetos numéricos, as línguas; o papel é já notório que está eternamente condenado a um lento e certo processo de ustulação, de combustão que ao cabo do tempo necessário será transformado em lixo imprestável.
Por isso, nada se justifica e nada faz sentido qualquer.
2 Comentários:
Eu acho que você tá precisando ler os hermeneutas... eles piram no lance do sentido...
Quanto a mim, não faço idéia do que é isso!
Se descobrir, me conta?
Camila,
Sim, se eu descobrir, conto.
M.,
Igualmente reticente.
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