sábado, junho 25

O Organograma

Aquele domingo de-manhã, ele levantou-se cedo. Estava frio, paramentou-se de um casaco e saiu de casa antes que o sol despontasse no horizonte, que era dum azul ainda profundo. Caminhou até a pracinha, agora silenciosa e deserta. Sentou-se no banco de concreto gelado, olhou em volta: a imundície da festa da noite anterior (talvez terminada há pouco mais de uma hora, uma hora e meia) juncava o chão. Copos, latas de cerveja, guardanapos sujos; nos cantos mais escuros, distinguiu um preservativo usado.
Depois da inspeção, fixou a vista no horizonte e em alguns minutos o sol que vinha nascendo banhou-lhe o rosto. Sorriu; pelo menos o prazer de observar o nascer do sol ninguém lhe podia roubar, como o tempo e o destino, às furtadelas, levavam-lhe as esperanças e as outras alegrias aos quilos. Observou o sol a ganhar altura, levantou-se e saiu a dar um passeio cantarolando uma ária melancólica qualquer, talvez fosse Verdi, ou quem sabe Mussorgskij. Sua consciência era plena de uma única certeza: ele era sim, o último do maldito organograma que fazia as relações dos habitantes do planeta. Continuou a andar e a cantarolar, na rua banhada de sol de uma manhã preguiçosa e silenciosa de domingo.

3 Comentários:

Blogger Jeferson Ferreira disse...

será um lirismo épico, ou de um épico lírico...

sábado, junho 25, 2005 9:14:00 da tarde  
Blogger Érico disse...

Organogramas são abstrações que Deleuze chamaria de árvores-raiz. Não servem: é preferível o arbusto.
Ou para alguns, a moita.

segunda-feira, junho 27, 2005 10:43:00 da manhã  
Blogger Jeferson Ferreira disse...

jeffholiday_pop@yahoo.com.br

segunda-feira, junho 27, 2005 12:44:00 da tarde  

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