O fórceps de Cabral
Desde a sexta-feira dos três acontecimentos estapafúrdios (declarada a partir de hoje como o Dia do Dramin, feriado nacional na Venardia), fiquei curioso sobre o dito Congresso Integralista. Narrei o ocorrido aos Membros da Academia do Leucotávolo e no dia seguinte, Orlando apareceu com algumas informações impressas, o local da reunião, num convite dirigido abertamente à população e algumas informações complementares sobre o Integralismo, a versão tupiniquim do Feixismo europeu, embora os galinhas-verdes (como eram conhecidos os Integralistas, devido às suas camisas verdes) o neguem veementemente.
De posse daquelas provas documentais, Orlando sugeriu uma visita ao Congresso no sábado à tarde (visto que era um Congresso de dois dias, sábado e domingo). Sozinho eu não iria de jeito nenhum, mas na companhia do egrégio Orlando, não titubeei: sim! vamos ver o que se passa. Fora o meu ofendido senso de comunista-cordial-apartidário.
Sábado à tarde, depois de curta viagem de metrô e algumas passadas incertas, pois esquecêramos o número, chegamos a um galpão com forte cheiro de tinta, acusando a pintura recente, era aquele lugar que o cartaz nomeava Anfiteatro da Und (União Nacionalista Democrática; ou pela versão depois apresentada por Orlando, a União dos Neófitos Doidivanos; ou ainda Uberaba é a Nossa Dinamarca), que não passava dum galpão de alguma industriazeca da década de 50 ou 60 ou de mecânica, ou ainda retífica de motores. Logo no ingresso, fomos interpelados por um jovem moreno, de camisa verde-quase-integralista: indagou-nos se pertencíamos a alguma organização. «Não, somos representante da cidadania comum, atraídos pelos cartazes postos por aí.». Depois de recepcionarnos, discorreu imensamente sobre a posição política sua, mostrando que havia, dentro daquela quarentena de pessoas, um racha ideológico. O memos rapaz disse-nos que o corporativismo (uma das forças motoras do Integralismo) não tinha mais lugar nas conjunturas actuais; e que a formação de um partido integralista estava fora de questão. Algo que me tranqüilizou, sou sincero a dizer. Saído o rapaz, aguardamos o início da reunião, cujos membros directores sentar-se-iam numa bela mesa de madeira esculpida, sobre a qual, uma bandeira azul com o sigma num círculo branco.
Começado o debate, na mesa havia alguns integralistas da velha guarda, um inclusive com camisa verde do tom fiel àquele da dos integralista e - detalhe - o bigode aparado à Plínio Salgado; ou, para quem preferir, à Adolf Hitler. Acima, um óculos de aro grosso de acrílico. Conversa vai, conversa vem, a sessão descorreu como prosseguem as assembléias dos estudantes da Letras; cada um tinha determinado período para falar. Chamaram um membro da Und, e sua figura rubicunda assomou ao microfone. Embora tenha se apontado como «profissional de comunicação», comia verbos e invertia períodos de modo que ficavam incompreensíveis, fora o tom de voz histérico e a mão do microfone que tremia a grandes chacoalhões. O ponto alto, foi quanto começou a recitar um poema que tinha como um dos versos o título deste testo, «o fórceps» de Cabral, que depois descobri que se tratava dum poema psicografado pelo Chico Xavier e atribuído a Castro Alves. Estranho que uma doutrina de fundo católico faça uso de poemas psicografados. Falava e movia o corpo como se estivesse valsando; um passinho pra fentre, outro pra trás. Chamou os comunistas de «verde-amarelos por fora e vermelhos por dentro». Sou então uma melancia?
O mocinho que nos recepcionara aludira à ausência de anti-semitismo na doutrina, porém, o papel que nos foi passado, um texto de um dos «inteligentes» do movimento, terminava com a expressão «judiaria internacional».
Depois do gorducho da Und, veio um carioca do MV-Brasil (Movimento de Valorização do Brasil) que dos píncaros dum nacionalismo virulento e absurdo bradou contra uma garrafa de Coca-Cola que existira no recinto pela manhã e agradecera sua troca por uma de guaraná Antárctica. Quando falava berrando, erguia a mão e ficava na ponta dos pés. Tinha um terrível ar de clásse-média, dado pela pochete à cintura e um par de mocassins. Batia no peito, ameaçador e laudava a Bandeira.
O único mais sério, parecia o «presidente» da mesa, um integralista de Campinas, cabelo aparado à máquina, camisa verde com o Sigma bordado no braço; que chamou-os um pouco para a realidade. Cansamo-nos e fomos embora.
Cansamos do campineiro que parecia o Francisco Milani, de boina e com um pingente do Sigma; cansamo-nos dum bocó de camisa preta e com um cinto como aqueles de peão-de-boiadeiro, só que na fivela, ao invés dos tradicionais motivos eqüestres, havia um sigma e um mapa do Brasil. Cansamo-nos das bandeiras nacional e integralista presas na parede com fita adesiva, que às vezes soltava-se e algum membro da mesa corria a pregar novamente.
De birra, à saída, fomos a uma padaria tomar Coca-Cola; e como éramos os únicos estranhos ali, já que todos aparentemente tinham alguma espécie de vínculo, à nossa saída talvez tenham-se estapeado; mantinham a linha pois havia dois estranhos na assistência. Eram loucos, mas misturados por entre a gente, passavam até por pessoas civis e simpáticas...
Decepcionante, mas eu, como melancia, senti-me tranqüilizado: a pretensa extrema-direita não passa da reunião de uma incompleta quarentena de loucos e velhos passadistas. Fico com a minha Coca-Cola; mas chegando na minha estação de destino, fui a pé para casa, cantando o hino da URSS, para ver se me desintoxicava.
De posse daquelas provas documentais, Orlando sugeriu uma visita ao Congresso no sábado à tarde (visto que era um Congresso de dois dias, sábado e domingo). Sozinho eu não iria de jeito nenhum, mas na companhia do egrégio Orlando, não titubeei: sim! vamos ver o que se passa. Fora o meu ofendido senso de comunista-cordial-apartidário.
Sábado à tarde, depois de curta viagem de metrô e algumas passadas incertas, pois esquecêramos o número, chegamos a um galpão com forte cheiro de tinta, acusando a pintura recente, era aquele lugar que o cartaz nomeava Anfiteatro da Und (União Nacionalista Democrática; ou pela versão depois apresentada por Orlando, a União dos Neófitos Doidivanos; ou ainda Uberaba é a Nossa Dinamarca), que não passava dum galpão de alguma industriazeca da década de 50 ou 60 ou de mecânica, ou ainda retífica de motores. Logo no ingresso, fomos interpelados por um jovem moreno, de camisa verde-quase-integralista: indagou-nos se pertencíamos a alguma organização. «Não, somos representante da cidadania comum, atraídos pelos cartazes postos por aí.». Depois de recepcionarnos, discorreu imensamente sobre a posição política sua, mostrando que havia, dentro daquela quarentena de pessoas, um racha ideológico. O memos rapaz disse-nos que o corporativismo (uma das forças motoras do Integralismo) não tinha mais lugar nas conjunturas actuais; e que a formação de um partido integralista estava fora de questão. Algo que me tranqüilizou, sou sincero a dizer. Saído o rapaz, aguardamos o início da reunião, cujos membros directores sentar-se-iam numa bela mesa de madeira esculpida, sobre a qual, uma bandeira azul com o sigma num círculo branco.
Começado o debate, na mesa havia alguns integralistas da velha guarda, um inclusive com camisa verde do tom fiel àquele da dos integralista e - detalhe - o bigode aparado à Plínio Salgado; ou, para quem preferir, à Adolf Hitler. Acima, um óculos de aro grosso de acrílico. Conversa vai, conversa vem, a sessão descorreu como prosseguem as assembléias dos estudantes da Letras; cada um tinha determinado período para falar. Chamaram um membro da Und, e sua figura rubicunda assomou ao microfone. Embora tenha se apontado como «profissional de comunicação», comia verbos e invertia períodos de modo que ficavam incompreensíveis, fora o tom de voz histérico e a mão do microfone que tremia a grandes chacoalhões. O ponto alto, foi quanto começou a recitar um poema que tinha como um dos versos o título deste testo, «o fórceps» de Cabral, que depois descobri que se tratava dum poema psicografado pelo Chico Xavier e atribuído a Castro Alves. Estranho que uma doutrina de fundo católico faça uso de poemas psicografados. Falava e movia o corpo como se estivesse valsando; um passinho pra fentre, outro pra trás. Chamou os comunistas de «verde-amarelos por fora e vermelhos por dentro». Sou então uma melancia?
O mocinho que nos recepcionara aludira à ausência de anti-semitismo na doutrina, porém, o papel que nos foi passado, um texto de um dos «inteligentes» do movimento, terminava com a expressão «judiaria internacional».
Depois do gorducho da Und, veio um carioca do MV-Brasil (Movimento de Valorização do Brasil) que dos píncaros dum nacionalismo virulento e absurdo bradou contra uma garrafa de Coca-Cola que existira no recinto pela manhã e agradecera sua troca por uma de guaraná Antárctica. Quando falava berrando, erguia a mão e ficava na ponta dos pés. Tinha um terrível ar de clásse-média, dado pela pochete à cintura e um par de mocassins. Batia no peito, ameaçador e laudava a Bandeira.
O único mais sério, parecia o «presidente» da mesa, um integralista de Campinas, cabelo aparado à máquina, camisa verde com o Sigma bordado no braço; que chamou-os um pouco para a realidade. Cansamo-nos e fomos embora.
Cansamos do campineiro que parecia o Francisco Milani, de boina e com um pingente do Sigma; cansamo-nos dum bocó de camisa preta e com um cinto como aqueles de peão-de-boiadeiro, só que na fivela, ao invés dos tradicionais motivos eqüestres, havia um sigma e um mapa do Brasil. Cansamo-nos das bandeiras nacional e integralista presas na parede com fita adesiva, que às vezes soltava-se e algum membro da mesa corria a pregar novamente.
De birra, à saída, fomos a uma padaria tomar Coca-Cola; e como éramos os únicos estranhos ali, já que todos aparentemente tinham alguma espécie de vínculo, à nossa saída talvez tenham-se estapeado; mantinham a linha pois havia dois estranhos na assistência. Eram loucos, mas misturados por entre a gente, passavam até por pessoas civis e simpáticas...
Decepcionante, mas eu, como melancia, senti-me tranqüilizado: a pretensa extrema-direita não passa da reunião de uma incompleta quarentena de loucos e velhos passadistas. Fico com a minha Coca-Cola; mas chegando na minha estação de destino, fui a pé para casa, cantando o hino da URSS, para ver se me desintoxicava.
2 Comentários:
Sei que já conversamos a este respeito, mas, mesmo assim devo deixar as minhas condolências por este movimento moribundo, assim como espero deixar por Paulo Maluf. Espero também que não se aventurem muito com o espiritismo, pois vai que descobrem o segredo da ressurreição...
Miguelson
Não somos anti-semitas, não somos anticomunistas, não somos antidemocráticos.
Apenas temos saudades dos tempos em que os trens andavam no horário.
Anauê!
3a. Seccional - Capítulo Paulista
Antiga e Mística Ordem do Velocino Verde
Enviar um comentário
<< Home