Sexta-feira
Uma sexta-feira totalmente atípica; não sei bem se a crise de labirintite da manhã alterou a minha percepção, mas ocorreram coisas, se não estranhas, no mínimo incomuns. Depois da crise de tonturas, uma estada de duas horas num ambulatório que parecia mais uma enfermaria de campanha lembrou-me do final da Abertura 1812 de Tchajkovskij; além da incomum trilha sonora, deitado e pasmando, fiquei a olhar o céu azul de pouquíssimas nuvens e a sofrer a terrível manhã canicular. Medicado com Dramin, dormi por quase uma hora na enfermaria antes de ter sido levado para casa num carro oficial da Secretaria.
Em casa, depois do almoço, mais uma sessão soporífera devido ao efeito do remédio. Devidamente recuperado dos acessos, resolvi por bem ir à Faculdade. Mais um dia acadêmico normal, se não fosse o torpor provocado pelo calor; um calor não das nossas terras, mas um agressivo e penetrante calor siciliano, como o descrito nos livros, que gruda na pele e a transforma numa superfície húmida e brilhosa; e eu também não estava com o modelito «burocrata soviético». À noite, não havia ninguém para vir embora comigo e acabei por vir com o ônibus para o Parque Dom Pedro que sobe a rua Augusta. Afinal, nada de novo sob o Sol, ou melhor, sob a Lua, já que era noite. Os consuetos caminhos nada de novo apresentavam, se não fossem três singulares ocorrências. Primeira: descendo a rua Augusta, já depois da Paulista, sentido centro, a dita Augusta dos Inferninhos, estava eu a pensar em absolutamente nada (ou naqueles pensamentos «como a minha vida é estúpida») quando na porta de um dos bordéis, eis que surge, como um deus ex machina, um leão-de-chácara. Perguntareis «e daí? nada mais natural que nesse tipo de lugar haja um segurança». O problema era o tipo físico do segurança: era um anão; devidamente paramentado com a dignidade que requer a investidura de leão-de-chácara, com sua camisa, sua gravata e seu comunicador na mão, mas a figura atarracada e - perdoai-me - grotesca do anão. Pensei cos meus botões (mentira, não viera-eu nem de camisa) que talvez fosse obra do medicamento tomado antes, ou da minha vista cansada, mas não, lá estava o pequeno defensor, impávido e sisudo. Segunda: no final da rua Augusta (ou era já na Martins Fontes, não me lembra bem), o ônibus parou fora do ponto para um senhor de idade, este entrou no colectivo e acenou ao motorista «Obrigado, meu bom homem» (sim, exatamente do modo qu’eu transcrevo) e ao mirar o ancião emitente da frase, percebi que portava à cabeça um grande quepe do Exército da Salvação; procurei pelos meus arquivos cerebrais e encontrei somente duas ocorrências relacionadas com aquele quepe: uma propaganda de televisão da década de 1980 (mais ou menos 1985-6) e um episódio do Mister Bean. Resumo da ópera: eu nunca havia mais visto alguém a portar aquele quepe que não fosse uma imagem televisiva. Decididamente o remédio não me fez muito bem.
Julgando assunto encerrado, concentrei-me em reparar na paisagem nocturna que se me mostrava; certo que não é lá das melhores, mas é sempre o Centro Velho. Quando o ônibus embicou pela praça João Mendes, detive-me num dos postes que apresentava na parte inferior um cartaz com um grande sigma. Sigma? Sim, um sigma. Era uma convocação para o primeiro Congresso Nacional dos Integralistas que se realizará no Belenzinho. Tirei os óculos, só poderia tratar-se de sujidades nas lentes. Repus os óculos e o cartaz continuava lá. Decidi que não tomaria mais Dramin.
Fora vero? Creio que sim, mas não havia infelizmente ninguém comigo.
Em casa, depois do almoço, mais uma sessão soporífera devido ao efeito do remédio. Devidamente recuperado dos acessos, resolvi por bem ir à Faculdade. Mais um dia acadêmico normal, se não fosse o torpor provocado pelo calor; um calor não das nossas terras, mas um agressivo e penetrante calor siciliano, como o descrito nos livros, que gruda na pele e a transforma numa superfície húmida e brilhosa; e eu também não estava com o modelito «burocrata soviético». À noite, não havia ninguém para vir embora comigo e acabei por vir com o ônibus para o Parque Dom Pedro que sobe a rua Augusta. Afinal, nada de novo sob o Sol, ou melhor, sob a Lua, já que era noite. Os consuetos caminhos nada de novo apresentavam, se não fossem três singulares ocorrências. Primeira: descendo a rua Augusta, já depois da Paulista, sentido centro, a dita Augusta dos Inferninhos, estava eu a pensar em absolutamente nada (ou naqueles pensamentos «como a minha vida é estúpida») quando na porta de um dos bordéis, eis que surge, como um deus ex machina, um leão-de-chácara. Perguntareis «e daí? nada mais natural que nesse tipo de lugar haja um segurança». O problema era o tipo físico do segurança: era um anão; devidamente paramentado com a dignidade que requer a investidura de leão-de-chácara, com sua camisa, sua gravata e seu comunicador na mão, mas a figura atarracada e - perdoai-me - grotesca do anão. Pensei cos meus botões (mentira, não viera-eu nem de camisa) que talvez fosse obra do medicamento tomado antes, ou da minha vista cansada, mas não, lá estava o pequeno defensor, impávido e sisudo. Segunda: no final da rua Augusta (ou era já na Martins Fontes, não me lembra bem), o ônibus parou fora do ponto para um senhor de idade, este entrou no colectivo e acenou ao motorista «Obrigado, meu bom homem» (sim, exatamente do modo qu’eu transcrevo) e ao mirar o ancião emitente da frase, percebi que portava à cabeça um grande quepe do Exército da Salvação; procurei pelos meus arquivos cerebrais e encontrei somente duas ocorrências relacionadas com aquele quepe: uma propaganda de televisão da década de 1980 (mais ou menos 1985-6) e um episódio do Mister Bean. Resumo da ópera: eu nunca havia mais visto alguém a portar aquele quepe que não fosse uma imagem televisiva. Decididamente o remédio não me fez muito bem.
Julgando assunto encerrado, concentrei-me em reparar na paisagem nocturna que se me mostrava; certo que não é lá das melhores, mas é sempre o Centro Velho. Quando o ônibus embicou pela praça João Mendes, detive-me num dos postes que apresentava na parte inferior um cartaz com um grande sigma. Sigma? Sim, um sigma. Era uma convocação para o primeiro Congresso Nacional dos Integralistas que se realizará no Belenzinho. Tirei os óculos, só poderia tratar-se de sujidades nas lentes. Repus os óculos e o cartaz continuava lá. Decidi que não tomaria mais Dramin.
Fora vero? Creio que sim, mas não havia infelizmente ninguém comigo.
2 Comentários:
Nosso convite se estende a todas as pessoas interessadas em fazer deste nosso primeiro encontro nacional a ponta-de-lança de uma triunfal arremetida rumo à cabeça do poder, ora dominado por comunistas insensatos.
Viva o Brasil! Contra a farsa histórica montada contra o genuíno Plano Cohen! Contra a subversão internacional dos marxistas-leninistas-castristas!
Anauê!
Comando Integralista
Regional São Paulo
Seccional Barata Ribeiro
Realmente tem uns dias que são muito estranhos. Mas andar pela rua Augusta sempre é clamar pelo inusitado...
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