Natal e Ano-Novo
Natal
Out-doors com chesters gigantescos, shoppings iluminados; já chegou o Deus-menino para o nosso bem, o Deus Consumo; este demônio que se apodera das pessoas nesta época do ano. Onde está o Cristo? Tristonho, sentado a direita do Pai, inconsolável, vendo que o seu martírio foi inútil, que seriam necessários algumas centenas de suplícios sobre a cruz para purgar os nossos pecados, que devem estar na casa dumas três toneladas por pessoa. Que adiantou, se continuamos os mesmos que vendiam dentro do templo? Profanamos e invertemos o sentido de um dia, que mesmo para os ateus, converter-se-ia num dia de reflexão.
Só se pensa em encher o estômago e beber. E o cristo? Continua lá, no altar da Igreja, tristonho, coberto com uma manta de veludo, e nem tem um Dom Camilo para conversar com ele. Tudo vontado para o dinheiro e pelo dinheiro.
* * *
Agnus Dei, qui tollit peccata mundi, miserere nobis; et dona nobis pacem.
Ano-Novo
Até no Machado, está lá, ao invés da actual expressão «ano-novo», encontra-se «ano-bom». Provavelmente alguém percebeu o engano, que ano vindouro não é necessariamente sinônimo de felicidade, embora, intimamente o esperemos. A mim não me mudo lá muita coisa, cria-me confusão no começo do ano, quando insisto aïnda em pôr nas datas, o número do ano que não volta mais.
Também não me agrada muito fazer o balanço do ano anterior (já bastam as «retrospectivas» da televisão). Sempre há coisas por esquecer que não se vão; sempre há coisas boas para lembrar que são olvidadas. Caminhadas solitárias pela estação de metrô da Vila Matilde sob alguma noite fria de junho, época que me apoiava nas paredes para andar; tragado pelo banco e lancinado pela dor da rejeição. Época que pedia todos os dias que o mundo explodisse por uma ogiva nuclear (mas a URSS não mais existe) ou qu’eu amanhecesse morto.
E procelas familiares em meio ao mar infindo da minha solidão; uma solidão acompanhada, afinal, a disse Camões.
Mas as coisas foram andando; não posso dizer que hoje elas tenham entrado nos eixos, mas certamente caminham melhor, melancólicas como a cidade sob a garoa de julho que humidece até os ossos; uma melancolia presente até o tutano dos meus ossos, não me deixa nunca - a minha natureza predominantemente lusitana; espera infinitas, esperanças murchas como flores moribundas, amores que não vingam, que nunca vingaram, resquícios do passado, aderente feito sanguessuga e irritante como a queda sobre uma touçada de urtigas.
Depois de ter vagado sem rumo por boa parte do ano, sem que nada pudesse acalmar-me ou aplacar-me o mudo desespero, parece que este fim-de-ano o barco sem rumo do meu destino aportou-se em local seguro e o tempo ameaça abrir, livrar-se das nuvens negras que tapam o céu. Não porque é fim-de-ano; não como estúpidos filmes estadunidenses de «milagres natalinos», vicendas felizes não têm data para ocorrer, podem ser até no 2 de novembro. A esperança refloresce depois de quase ter secado ao sol da normalidade.
* * *
É o qu’eu desejo a todos, que encontrem os vossos caminhos pelo futuro, qualquer que seja.
Também não me agrada muito fazer o balanço do ano anterior (já bastam as «retrospectivas» da televisão). Sempre há coisas por esquecer que não se vão; sempre há coisas boas para lembrar que são olvidadas. Caminhadas solitárias pela estação de metrô da Vila Matilde sob alguma noite fria de junho, época que me apoiava nas paredes para andar; tragado pelo banco e lancinado pela dor da rejeição. Época que pedia todos os dias que o mundo explodisse por uma ogiva nuclear (mas a URSS não mais existe) ou qu’eu amanhecesse morto.
E procelas familiares em meio ao mar infindo da minha solidão; uma solidão acompanhada, afinal, a disse Camões.
Mas as coisas foram andando; não posso dizer que hoje elas tenham entrado nos eixos, mas certamente caminham melhor, melancólicas como a cidade sob a garoa de julho que humidece até os ossos; uma melancolia presente até o tutano dos meus ossos, não me deixa nunca - a minha natureza predominantemente lusitana; espera infinitas, esperanças murchas como flores moribundas, amores que não vingam, que nunca vingaram, resquícios do passado, aderente feito sanguessuga e irritante como a queda sobre uma touçada de urtigas.
Depois de ter vagado sem rumo por boa parte do ano, sem que nada pudesse acalmar-me ou aplacar-me o mudo desespero, parece que este fim-de-ano o barco sem rumo do meu destino aportou-se em local seguro e o tempo ameaça abrir, livrar-se das nuvens negras que tapam o céu. Não porque é fim-de-ano; não como estúpidos filmes estadunidenses de «milagres natalinos», vicendas felizes não têm data para ocorrer, podem ser até no 2 de novembro. A esperança refloresce depois de quase ter secado ao sol da normalidade.
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É o qu’eu desejo a todos, que encontrem os vossos caminhos pelo futuro, qualquer que seja.
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