sábado, dezembro 10

230. Letávia, III parte

III

Verão em Belavoda. Oito mil, seiscentos e trinta e sete habitantes, segundo o último censo, o de 1938. Oito mil, seiscentos e trinta e sete habitantes afogados em calor; mesmo em plena Europa, àquelas latitudes, o vale onde se localiza Belavoda e praticamente toda Letávia é um lugar particularmente quente. Os metereologistas não sabem bem explicar o fenômeno, a hipertérmica estiva de Belavoda tem explicações tanto díspares quanto absurdas. Um certo prof. Plewnovicz chegou ao disparate de afirmar que certa espécie de peixe do Tjevá, o bylnje czjórnje ou simplesmente bylnje, tão apreciada pela população, assado com batatas, que esse delicioso peixe ósseo clupeiforme - Opisthonema letavica - abundante no Tjevá era o responsável pelo aquecimento do microclima em Belavoda. Tão abundante, que seu preço - para quem o comprava por preguiça de ir pescá-lo - nunca ultrapassava 3 coroas e meia. Segundo a teoria do prof. Plewnovicz, a bexiga natatória do petisco aquático - petisco, visto que é um peixe que não muito grande, no máximo duns 3 a 5 centímetros - produziria excessivo dióxido de carbono, justo no verão, o que agravado pelo calor e pela topografia do sítio belavodense, produzia calor que ficava estacionado pela ausência de ventos no interior do vale, protegido pelos espigões-mestres das duas cadeias de montanhas que o delimitam. O artigo, intitulado O seu jantar o futuro da Letávia, publicado em fins de 1937 no Nasza Zemljá, jornal oficial do Governo Nacional Oclocrático, causou certa incredulidade no meio científico letavo, porém, tendo sido publicado no jornal oficial, o povo assustou-se. O pobre bylnje czórnje foi banido dos cardápios dos restaurantes; um decreto aprovado pela Dieta declarou-o «inimigo do povo e da Pátria». Outro decreto, alguns dias depois, agraciou com o título de peixe non-grato. Criou-se uma expontânea Brigada de Proteção Fluvial conduzida pessoalmente por Beznjakovicz, que foi aclamado seu secretário-geral; a Brigada deu cabo de milhares de peixes a golpes de bastão nas enseadas do Tjevá próximas a Belavoda. Pouco antes do natal, auge do inverno, vidros congelados de conserva de bylnje foram quebrados na praça Czernoczékow por uma multidão enfurecida. No ano-novo de 1938, o Nasza Zemljá, publicou Livres do flagelo, nosso próximo verão será europeu. Em julho, mais especificamente em 16 de julho, a temperatura alcançou os insuportáveis 36,5 graus. Os peixes quase desapareceram, porém, o calor veio ainda mais forte. O prof. Plewnovicz foi chamado a dar explicações. Sumira. Ninguém o achava. Descobriu-se que ele havia saído clandestinamente do país cerca de um mês antes - talvez pressentindo o fracasso da sua teoria - em direção à França.
As conservas reapareceram nos mercados, os peixes in natura voltaram para as feiras, bem mais caro, é verdade, umas 60 coroas a libra. A Brigada, do mesmo modo que apareceu, sumiu. Igualmente os decretos sumiram-se da legislação. Ninguém perguntou nada, ninguém respondeu nada. A base alimentícia mudou do bylnje para as perszebálnyje, ou a popular couve-de-bruxelas, depois de uma campanha governamental em prol dos vegetais, tão adaptados ao clima da várzea. Na praça Czernoczékow foi posto um tabelão: uma pintura representante um Beznjakovicz sorridente, sentado, com guardanapo amarrado ao pescoço, tendo diante de si, um prato fumegante de perszebálnyje cozidas na manteiga. Embaixo dessa bela figuração, o belo moto: nossos repolhos não fedem. Logo depois, emitiu-se uma série de selos postais, com as plantas em vários estágios - semente, broto, planta formada, colheita, preparação e um prato pronto, assadas) nos valores de 1, 5, 10, 30, 75 térty e 1 coroa. Fora a moeda comemorativa de 1 coroa e meia.
Passados os peixes, outra teoria que se levantou foram as fricções da placa da Letávia - a placa tectônica elíptica enquistada no meio da Euro-Asiática, tendo 62 quilômetros de raio, a menor do mundo - com a Euro-Asiática. O calor viria de emissões de gases das falhas, devido ao movimento da terra, principalmente no verão, e as ondas de gás e calor, pelo acidente geográfico, confluíam para o centro do disco, justamente a área de Belavoda. Essa teoria é a mais aceita, inclusive pela Academia de Ciências da Letávia. Tendo sido apresentado um relatório ao Supremo Condutor, este determinou ao Ministro de Obras Públicas, o camarada Ián Ljebánjovicz Antáll que se concretasse toda a área das falhas. A colossal obra consumiu centenas de milhares de metros cúbicos de concreto; toda a área das falhas ficou de aspecto semelhante a uma represa; isso já no limiar da guerra, ou seja, no fim do inverno de 1939. O verão de 1940 está sendo igualmente quente. A temperatura confirma a vocação de balneário de Belavoda, isso se a Letávia tivesse mar; mas é mediterrânea.

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