A flor de silício
(pseudo-opereta, cantata aos novos-tempos)
Introdução
Introdução
(palco escuro; de-improviso, acende-se uma luz sobre um manequim paramentado de apretrechos electrônicos; o resto do palco continua no escuro)
Tenor
Vede, vede, a musa
com a sua nova cornucópia.
Coro masculino
(acende-se a luz sobre o coro)
Ah, não tem mais frutas!
Será um castigo?
Coro feminino
(acende-se a luz sobre o coro)
Ah, não tem mais trigo!
Qual será o fado?
Tenor
Não, isso são coisas do passado;
agora, da sua trompa
vêm as fibras ópticas.
Vamos, não façam tromba.
Coro masculino
E guaraná transgênico;
novos itens higiênicos,
palm-tops, bandas-largas,
capacidades fartas
dos discos rígidos;
também o fim dos homens frígidos,
e dos tabus rígidos.
Coro feminino
Mas será que todo esse arsenal raro
não será demasiado caro?
Coro dos empresários
(pode ser uma repartição do coro masculino, vozes de barítono)
Ah, não sede lerdos!
Sede lépidos,
sede rápidos,
usai os vossos cartões de crédito.
Coros feminino e masculino
É bom, mas temos de pensar.
Coro dos empresários
Pensar? Mas é tão bom se alienar!
Comprai sem raciocinar
e logo vos atingirá o bem-estar.
Barítono (dramático)
Mas e os nossos séculos de cultura?
Tenor (preocupado)
A cultura! [pausa] E os juros?
E as prestações venturas?
Soprano (efusiva)
Brasília nos orientará.
Do Oiapoque ao Chuí,
da Vila Madalena ao Pari;
certamente nos guiará.
Governo (contra-tenor; histérico - entra num ritmo ensandecido e batendo os pés absurdamente enquanto se movimenta no palco, puxando os cabelos com as mãos)
Verde-amarelo!
Verde-amarelo!
O FMI só nos deixa farelo.
Itaipu, que rima infame.
Deus abençoe nossa terra,
pois aqui todo mundo se ferra,
de verde-amarelo,
verde-amarelo!
Todos
Salve!
A Democracia; o Governo;
vós que sois a representação
desta nação.
Governo
Eu quem, cara-pálida?!
Não me venham com função fática!
Se contentem com o solo da Pátria,
onde dá tudo o que se planta.
Bebam fanta,
cacem anta!
Coro masculino (taciturno)
A caça é proibida.
Governo
Então, o que quereis,
dizei logo, pois nem é época de eleição.
Coro masculino e feminino
Queremos que você
regule a taxa de juros,
que nos tire dos escuro,
que nos faça essa mercê.
Governo
Taxa de juros?
Ho! Ho! Ho! Ho! Ho!
Mas isso não é assunto meu.
O Governo governa,
nessas coisas não se interna.
Fica à vossa opção:
uma vela pra Deus
e outra prò cabrão.
Coro dos empresários
Vamos! Não há perigos!
Vinde, somos todos amigos.
Seguis o nosso norte;
tende a nossa sorte.
Governo (com as mãos nas costas, totalmente alheio no fundo)
Itaipu, caju, samba, banana, caruru.
Vatapá, acarajé, senhor do Bonfim,
trempa de alienados, ho, ho!
Robalheira livre até o fim!
Coro masculino e feminino (ensandecidos)
Viva, viva a nova musa,
ergamo-lhe um monumento,
façamo-lhe uma instalação,
em honra da sua abundância,
da sua retumbância.
Placas de silício!
Vivas ao silicone!
Glória aos nossos novos Deuses:
o Consumo e a Tecnologia;
pela Farmacêutica moderna
nossa prole não terá mais alergia!
Consumo (tenor; tom declamatório)
Fiéis, fanáticos, ouvi!
Devotai-vos a mim,
que estou não só no meio de vós,
mas principalmente dentro de vós.
Ouvi!
Comprai!
(fim da introdução)
Tenor
Vede, vede, a musa
com a sua nova cornucópia.
Coro masculino
(acende-se a luz sobre o coro)
Ah, não tem mais frutas!
Será um castigo?
Coro feminino
(acende-se a luz sobre o coro)
Ah, não tem mais trigo!
Qual será o fado?
Tenor
Não, isso são coisas do passado;
agora, da sua trompa
vêm as fibras ópticas.
Vamos, não façam tromba.
Coro masculino
E guaraná transgênico;
novos itens higiênicos,
palm-tops, bandas-largas,
capacidades fartas
dos discos rígidos;
também o fim dos homens frígidos,
e dos tabus rígidos.
Coro feminino
Mas será que todo esse arsenal raro
não será demasiado caro?
Coro dos empresários
(pode ser uma repartição do coro masculino, vozes de barítono)
Ah, não sede lerdos!
Sede lépidos,
sede rápidos,
usai os vossos cartões de crédito.
Coros feminino e masculino
É bom, mas temos de pensar.
Coro dos empresários
Pensar? Mas é tão bom se alienar!
Comprai sem raciocinar
e logo vos atingirá o bem-estar.
Barítono (dramático)
Mas e os nossos séculos de cultura?
Tenor (preocupado)
A cultura! [pausa] E os juros?
E as prestações venturas?
Soprano (efusiva)
Brasília nos orientará.
Do Oiapoque ao Chuí,
da Vila Madalena ao Pari;
certamente nos guiará.
Governo (contra-tenor; histérico - entra num ritmo ensandecido e batendo os pés absurdamente enquanto se movimenta no palco, puxando os cabelos com as mãos)
Verde-amarelo!
Verde-amarelo!
O FMI só nos deixa farelo.
Itaipu, que rima infame.
Deus abençoe nossa terra,
pois aqui todo mundo se ferra,
de verde-amarelo,
verde-amarelo!
Todos
Salve!
A Democracia; o Governo;
vós que sois a representação
desta nação.
Governo
Eu quem, cara-pálida?!
Não me venham com função fática!
Se contentem com o solo da Pátria,
onde dá tudo o que se planta.
Bebam fanta,
cacem anta!
Coro masculino (taciturno)
A caça é proibida.
Governo
Então, o que quereis,
dizei logo, pois nem é época de eleição.
Coro masculino e feminino
Queremos que você
regule a taxa de juros,
que nos tire dos escuro,
que nos faça essa mercê.
Governo
Taxa de juros?
Ho! Ho! Ho! Ho! Ho!
Mas isso não é assunto meu.
O Governo governa,
nessas coisas não se interna.
Fica à vossa opção:
uma vela pra Deus
e outra prò cabrão.
Coro dos empresários
Vamos! Não há perigos!
Vinde, somos todos amigos.
Seguis o nosso norte;
tende a nossa sorte.
Governo (com as mãos nas costas, totalmente alheio no fundo)
Itaipu, caju, samba, banana, caruru.
Vatapá, acarajé, senhor do Bonfim,
trempa de alienados, ho, ho!
Robalheira livre até o fim!
Coro masculino e feminino (ensandecidos)
Viva, viva a nova musa,
ergamo-lhe um monumento,
façamo-lhe uma instalação,
em honra da sua abundância,
da sua retumbância.
Placas de silício!
Vivas ao silicone!
Glória aos nossos novos Deuses:
o Consumo e a Tecnologia;
pela Farmacêutica moderna
nossa prole não terá mais alergia!
Consumo (tenor; tom declamatório)
Fiéis, fanáticos, ouvi!
Devotai-vos a mim,
que estou não só no meio de vós,
mas principalmente dentro de vós.
Ouvi!
Comprai!
(fim da introdução)
8 Comentários:
Excelente. Comecemos a musicar o versos vernardos.
bacana, mas lembre-se de q o silicone nos fornece diversas venturas visuais... e táteis...
Érico: tudo bem, mas dá?
Jefferson: tenho minhas ressalvas.
Messer Tartufo: o que o primeiro queria com o inglês? Boa pergunta. Além do mais, é black-english, quase incompreensível mesmo para os falantes da língua.
ah, saco né tartufo...
vai, você gosta mesmo é de Góngora! poxa, essa história de 'parecer moderninho com seu inglês troncho' e principalmente 'seu conformismo disfarçado de revolta?'
non, né?
beijocas
Claro que dá. "Dê-me três acordes e eu enganarei o mundo", como já disse alguém famosinho.
é, velho... se vc chegar perto de um, tuas ressalvas caem todas por terra...
Já notaram que não se pode falar mal do rap? É classista, racista, fascista ou coisa pior. Isto é, temos de engolir um tipo de música de melodia pré-fabricada, em que a inventividade simplesmente não dá as caras, que se utiliza dum vocabulário paupérrimo, apenas porque seria um libelo legítimo das classes oprimidas. Mas legítimo? Será mesmo? O que essas canções pregam além de ressentimento e carolice barata? Tudo se resume a uma Bíblia ou a um fuzil, como já disse um conhecido meu. E pior : não se pode, por exemplo, assinar um artigo num jornal lamentando que esse tipo de música seja tão divulgado nos dias atuais. Quem o fizer correrá o risco de levar uns tiros ou ter a família seqüestrada. Esta legitimação do rap sustenta-se sobre duas grandes tiranias : a tirania do politicamente correto e a da violência. É algo verdadeiramente despótico, mas a esquerda parece ver-lhe graça, como se os cantores de rap fossem Bazárovs ou os líderes proletários de Zola. As coisas mudaram, no entanto.
Essa juventude pobre, desesperada e fodida não quer deixar de ser vítima, para que sua agressividade, sua ignorância e sua falta de gosto passem por coisas perfeitamente justificáveis. É absolutamente o mesmo processo que se dá na classe média com o ocultismo chique, que parece dar um sentido às vidas embrutecidas (neste caso) por um cotidiano demasiado "ameno" e repetitivo, mas em termos diversos. Trata-se tão-somente de tentar provar que se é alguma coisa, mesmo quando todas os fatos mostram o contrário.
Quem teria coragem, hoje, de gritar, como aquele Casanova do Ettore Scola : "Viva a dignidade!"? Seria o mais soberbo protesto de todos os tempos...
Pro inferno com o inglês, o português e todas as outras línguas. O que eu queria de verdade era o fim dos homens frígidos...
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